Resumindo a Notícia
- Ministro da economia, Paulo Guedes, sinalizou que governo pode extrapolar teto de gastos
- A infração fiscal foi apontada como única solução para conseguir pagar o Auxílio Brasil
- A quebra da responsabilidade fiscal, porém, pode gerar insegurança no mercado financeiro
- Situação pode afetar as taxas de juros e de câmbio do país, além da inflação
Guedes: 'Como a solução técnica não funcionou, nós vamos ter que gastar um pouco mais'
DIDA SAMPAIO/ESTADÃO CONTEÚDOO anúncio de que o governo federal pode extrapolar o teto de gastos para pagar o Auxílio Brasil — benefício que substitui o Bolsa Família — no valor mínimo de R$ 400 até o fim de 2022 fez especialistas do mercado financeiro elevarem a projeção de alta da Selic (taxa básica de juros) na próxima semana.
A previsão inicial era que o Copom (Comitê de Política Monetária), do BC (Banco Central), elevasse a Selic em 1 ponto percentual, passando dos atuais 6,25% para 7,25%.
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Em meio a temores fiscais, especialistas do mercado financeiro acreditam que a taxa básica deve subir mais do que 1 ponto percentual.
Guedes, que até então se opunha a estourar o teto de gastos do governo, admitiu que a brecha foi necessária em meio aos entraves para aprovar reformas e a PEC dos Precatórios. “Como a solução técnica não funcionou, nós vamos ter que gastar um pouco mais.”
Miguel Ribeiro de Oliveira, diretor-executivo da Anefac (Associação Nacional dos Executivos de Finanças, Administração e Contabilidade), acredita que o auxílio é importante considerando o momento que estamos vivendo. A questão, porém, é muito maior, segundo ele.
"O governo teve muito tempo para buscar alternativas e viabilizar recursos para atender a população, mas sua preocupação agora é melhorar sua avaliação pensando nas eleições do ano que vem. A questão que fica é a regra do teto de gastos, criada para evitar que os governos se endividassem sem limites porque isso traz consequências", diz.
Oliveira destaca que o país já deve começar a sentir as consequências na próxima semana, com o resultado da reunião do Copom, que deve elevar a taxa de juros em mais de 1 ponto percentual.
Oliveira vai além: "A forma como foi conduzida a situação é muito ruim. O recado que trouxe para o mercado. O governo poderia ter criado mecanismos, reduzido as despesas e buscado alternativas que não fossem furar o teto porque vai gerar dívida sem limites, e isso trará juros, inflação e desemprego".
Caio Megale, economista-chefe da XP, destaca que o teto de gastos é importante pelo fato de o Brasil ser um país muito endividado.
"A nossa dívida pública está na ordem de 80% do PIB [Produto Interno Bruto], ou seja, 80% de tudo o que a gente gera de riqueza nós temos em dívida, enquanto a média dos países emergentes é em torno de 50%. E essa dívida não é só elevada como tem um juro alto no país que atua sobre esse estoque de débitos", conta.
O equilíbrio do déficit público, segundo Megale, é importante porque dá a credibilidade de que nossos ativos, ao longo do tempo, vão ser honrados, que nossa dívida e títulos públicos serão honrados e o governo será solvente. Não vai ser preciso acelerar a inflação, emitir moeda ou aumentar a dívida para pagar seus compromissos.
Assim como Oliveira, Megale também considera que o auxílio é importante para ajudar a população neste momento.
Porém, não é positivo o fato de o governo sinalizar que pode extrapolar o teto de gastos em vez de ajustar o orçamento cortando despesas não relevantes como emendas parlamentares, subsídios a diversos setores da economia.
"Se o endividamento do governo será maior, a taxa de câmbio e de juros também será maior. Provavelmente haverá um aumento maior na inflação e pressão maior sobre a gasolina e alimentos. Com isso, o BC deve subir ainda mais a Selic na próxima semana, mais do que 1 ponto percentual."
A professora de economia do Insper (Instituto de Ensino e Pesquisa) Juliana Inhasz engrossa o coro dos demais economistas ao afirmar que a população precisa da ajuda, mas é ruim a forma pela qual o governo está conduzindo a situação.
"Não há um estudo que mostre como chegaram a esse valor, quem vai receber, como serão tratadas as pessoas que não receberam o auxílio antes mas estão hoje em situação de vulnerabilidade. É um programa que está muito remendado", comenta.
Juliana ressalta que furar o teto de gastos vai totalmente contra tudo aquilo que o ministro Guedes prometeu, que era fazer um reajuste fiscal e melhorar a confiança e o ambiente de negócios.
"Não ficou claro como será conduzido o auxílio de R$ 400. Sabemos que fura o teto dos gastos e piora as expectativas. A pergunta que fica no ar é como atender uma população vulnerável e as pessoas que hoje não recebem o auxílio?", questiona.
Para a professora, "até agora o que percebemos é uma clara tentativa de o governo diminuir o impacto para ver se consegue sobreviver até o ano que vem".
Juliana também acredita que o Copom vá rever a elevação da Selic na próxima semana e espera que o aumento seja superior a 1 ponto percentual.
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